Os desterrados do clima | Land Portal

Uma família caminha pelo bairro de Didilandia, na costa de Bilwi, capital da Região Autônoma da Costa Caribe Norte da Nicarágua, em 22 de novembro de 2020. Essa área foi uma das mais afetadas pelo furacão Iota. Carlos Herrera. 

Por Lorena Arroyo e Jorge Galindo

Cidade do México e Bogotá

 

Mais de 17 milhões de latino-americanos correm o risco de ser deslocados pelos efeitos da mudança climática até 2050, o equivalente a toda a população do Equador, segundo um relatório do Banco Mundial

Marta Romero tem 48 anos e uma vida inteira sendo testemunha de como se adaptar aos embates do clima. Em 1998, depois que o furacão Mitch arrasou partes da América Central, entre elas sua aldeia na costa atlântica da Guatemala, sua família teve que trocar os cultivos de milho, feijão e café de que viviam pelo do cardamomo, uma erva que pensavam que cresceria melhor e seria mais lucrativa. Mais de vinte anos depois, em novembro de 2020, outros dois fortes furacões, Eta e Iota, arrasaram sua comunidade e devastaram suas plantações e rebanhos.

Depois de anos de intensa seca, os campos de cardamomo não resistiram às chuvas e inundações provocadas por esses dois furacões e a família precisou recomeçar do zero. “Vamos ver se podemos nos recuperar um pouco, porque foi muito o que a terra engoliu ou que foi embora com os desmoronamentos. A maior parte da terra fértil foi perdida, mas graças a Deus estamos lutando”, diz Romero ao EL PAÍS por telefone da aldeia de San Francisco de Asís, no departamento de Izabal. Nem todos resistiram. Um de seus filhos, de 24 anos, decidiu há algumas semanas tentar a sorte nos Estados Unidos: “Eu não queria, mas ele me disse: ‘Mãe, vou embora porque na Guatemala as terras não estão boas para trabalhar. Vou buscar uma forma de conseguir trabalhar em outro lugar’”.

Assim como o filho de Marta Romero, outros moradores de sua comunidade emigraram no último ano para os Estados Unidos ou para o departamento de Petén, no norte da Guatemala. A passagem do Eta, de categoria 4, e do Iota, de categoria 5 ― a máxima ―, em novembro do ano passado, deixou mais de 260 mortos e milhões de afetados que perderam suas casas e cultivos nesse país, na Nicarágua e em Honduras. As caravanas de hondurenhos formadas em dezembro, apenas um mês depois, tornaram-se uma clara evidência do efeito que os furacões mais fortes e frequentes podem ter nas migrações. A Organização Internacional de Migrações (OIM) estima que mais de um milhão de pessoas tiveram que se deslocar devido ao impacto do Eta e do Iota. E há outros fenômenos mais progressivos e menos visíveis, como as secas, a elevação do nível do mar e a desertificação de algumas áreas, que estão se acelerando com o aquecimento global ― e também estão expulsando pessoas de suas comunidades em todo o continente.

Um relatório do Banco Mundial projeta que até o ano de 2050 poderá haver mais de 17 milhões de latino-americanos (2,6% dos habitantes da região ou o equivalente à população do Equador) deslocados pela mudança climática se não forem tomadas medidas concretas para frear seus efeitos. “Os migrantes climáticos se deslocarão de áreas menos viáveis, com pouco acesso à água e produtividade de cultivos, e de áreas afetadas pela elevação do nível do mar e pelas marés de tempestade”, diz o documento. As áreas que sofrerão o golpe mais duro, acrescenta, são as mais pobres e vulneráveis. E nem é o caso de conjugar os verbos no futuro. A frequência e a intensidade dos fenômenos extremos já aumentaram, aponta o documento: “As chuvas de verão estão começando mais tarde e são mais irregulares no espaço e no tempo, e sua intensidade aumentou”.

OSWALDO RIVAS (REUTERS)

Moradores abandonam suas casas após a passagem do furacão Iota em Bilwi, Nicarágua, em 17 de novembro de 2020. OSWALDO RIVAS (REUTERS)

Pablo Escribano, especialista da OIM em migração climática, distingue as ameaças gerais ― como inundações, chuvas e furacões (que afetam principalmente o Caribe) ― das progressivas, como a seca, que está atingindo lugares tão distantes como o Corredor Seco da América Central, algumas áreas da América do Sul ― como a bacia do Rio Paraná ― e a região andina. “Há evidência de que a mudança climática em áreas de alta montanha têm um impacto muito significativo em relação, por exemplo, à escassez de água”, assinala o especialista em entrevista ao EL PAÍS.

Previsões de riscos elevados pela mudança climática: América do Norte e Caribe

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“Muitas vezes dizemos que as ameaças relacionadas à mobilidade humana são por excesso ou falta de água. As estatísticas de deslocamentos por desastres mostram que os fenômenos de chuvas extremas e inundações são os que deslocam mais pessoas”, aponta Escribano. “A questão da seca é muito relevante em áreas como o Corredor Seco centro-americano, algumas áreas do México e do centro do Chile e o Nordeste brasileiro”, acrescenta. O continente também foi golpeado nos últimos anos por intensos incêndios, como os que afetaram a Amazônia e o Pantanal no Brasil e a Costa Oeste dos Estados Unidos, e por inundações em algumas áreas da bacia amazônica, do Sudeste brasileiro, do Uruguai e da bacia do Rio da Prata.

Além dos planos governamentais, na América Latina há centenas de iniciativas e comunidades buscando soluções para tentar mitigar os efeitos da mudança climática. A CRS, organização não governamental em que trabalha o hondurenho Carlos Ruiz, está implantando sistemas de irrigação por gotejamento para tornar mais eficiente o uso da água, além de práticas para preservar a umidade do solo e fomentar o desenvolvimento de microclimas. Essa ONG também desenvolveu programas humanitários para fornecer, em épocas críticas ou de escassez de alimentos, ajuda em dinheiro à população com a qual trabalha. O objetivo, diz Ruiz, é “não só responder às necessidades imediatas, como também habilitar algum tipo de infraestrutura e insumos agrícolas que permitam que as pessoas tenham condições de enfrentar as situações adversas da mudança climática”.

De qualquer forma, ele reconhece que dos cerca de 15.000 beneficiários de seus programas também chegam notícias de pessoas que decidem emigrar para os Estados Unidos. “O problema é que nesses países se gerou uma cultura da migração em que jovens de áreas rurais ou urbanas empobrecidas têm como meta migrar devido à falta de oportunidades em seu país, e acho que o interessante é que, através destes projetos, estamos começando a promover uma nova cultura, a da esperança”, destaca Ruiz. Uma esperança que ele vê quando os agricultores que participam de seus programas de irrigação por gotejamento ensinam as técnicas a seus filhos, ou quando começam a incorporar cultivos de ciclo curto, como algumas hortaliças e bananas, que podem lhes oferecer respostas de curto prazo enquanto desenvolvem plantações mais resilientes que gerem ganhos de longo prazo.

Esta matéria foi originalmente publicada em El País.

 

 

 

 

 

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