Áudios e vídeos revelam detalhes de esquema de grilagem dentro de terras indígenas | Land Portal
Na Amazônia, o coronavírus chega cada vez mais perto dos índios. Além do garimpo e do desmatamento, foi descoberto um esquema de grilagem dentro das terras indígenas.
 
Este domingo é 19 de abril, Dia do Índio. Mas, infelizmente, o momento é de apreensão. O número de casos de Covid-19 entre os indígenas brasileiros vem aumentando.
 
Domingo passado, o Fantástico mostrou uma megaoperação para expulsar invasores, que poderiam estar levando a doença para as aldeias. O Fantástico teve acesso a novos áudios e vídeos que revelam detalhes de um esquema de grilagem dentro das terras indígenas. Veja na reportagem de Marcelo Canellas.
 
Bedjai Txucarramãe está furioso. "Eu não aceito nenhum tipo de atividade ilegal na minha terra!", diz o líder indígena. Liderança do povo Kayapó, ele teme que invasores levem o coronavírus para a floresta.
 
"Essa doença é pior do que sarampo! É pior que as outras!", alerta Bedjai.
 
Com o início da pandemia, a terra indígena Kayapó viu aumentar o garimpo e o desmatamento. é uma das doze reservas que a megaoperação do Ibama vem vasculhando há 15 dias no sul do Pará. Seja pelo alto ou embrenhando agentes na mata fechada.
 
"Nesse caso aqui, nós rastreamos esse equipamento, uma pá carregadeira utilizada no garimpo, que foi escondida aqui sobre a mata de forma a não ser visualizada pela aeronave", conta Hugo Loss, coordenador de operações de fiscalização do Ibama.
 
Atendendo a uma recomendação do Ministério Público Federal, os 76 motores, tratores e retroescavadeiras encontrados pelos agentes foram destruídos. A ideia é impedir que invasores levem a Covid-19 para as aldeias.
 
A operação ampliou a área de cobertura esta semana. Pelo menos por enquanto, praticamente zerou o garimpo numa região onde vivem mais de 8.500 indígenas.
 
"A gente tá muito preocupado com essa questão da contaminação dos nossos parentes dentro do território", explica Anderson Munduruku, líder indígena.
 
Mas enquanto os fiscais do Ibama trabalhavam na selva, em Brasília o governo demitia o diretor responsável, Olivaldi Azevedo. O Fantástico perguntou ao ministério do Meio Ambiente a razão da demissão, mas não tivemos resposta.
 
O Ministério Público Federal pediu abertura de investigação contra o ministro Ricardo Salles. Os procuradores querem saber se a demissão tem a ver com a operação do Ibama e com a insatisfação de grupos que estão à frente de invasão de terras indígenas, desmatamento e garimpo ilegal. Um inquérito civil para apurar se houve improbidade administrativa foi aberto na noite de sexta-feira (17).
 
O pedido do Ministério Público considera a relevância de uma sequência de operações que vêm sendo realizadas desde o começo do ano pelos fiscais do Ibama contra atividades ilegais no sul do Pará. Além do garimpo e do desmatamento, foi descoberto um esquema de grilagem dentro das terras indígenas. Centenas de posseiros foram atraídos pela ideia de terra barata que o governo iria supostamente legalizar.
 
Foi o que disseram para dona Claudina, quando ela comprou um lote na terra indígena Araweté, em São Félix do Xingu. "Que aqui era da união, que não era terra indígena, que tava tudo ok, que a gente tinha apoio do governo, que a gente podia entrar pra trabalhar que o governo estava nos apoiando", conta Claudina de Souza, posseira.
 
Mais de 600 pessoas foram atraídas por esse discurso.
 
"Dentro de um mês espalhou na região. Aí veio gente de Maranhão, de Paraopebas, de Marabá, de Tucumã. Até de Brasília, Goiás tem pessoas aqui, né?", diz o posseiro Arilson Brandão.
 
No meio da operação de retirada dos invasores, apareceu um vereador tentando argumentar com os fiscais. "O próprio presidente vem sempre falando que vai diminuir o tamanho das áreas, que existe uma demanda pra diminuir, que existe igualmente existe garimpo dentro dessas áreas que existe uma possibilidade de legalizar parte dessas áreas. E todo mundo trabalha na esperança, esse povo aí", argumenta o vereador Silvio Alves Coelho (PSC).
 
O mesmo vereador aparece em um vídeo postado neste sábado (18). Ele está ajudando a consertar a ponte ilegal dentro da terra indígena Trincheira Bacajá que o Fantástico mostrou sendo destruída pelos agentes do Ibama na semana passada. Em outra terra indígena, Ituna Itatá, mais indício de grilagem.
 
Na manhã deste domingo (19), por mensagem de áudio, o vereador disse ao Fantástico que foi ao local porque ainda há posseiros na área, "Nós fomos ao local para verificar a situação. Atravessamos aquela água lá com água na cintura para verificar a situação das famílias que estão lá", diz.
 
Em outra terra indígena, Ituna Itatá, mais indício de grilhagem. Os posseiros mostram recibos de pagamentos.
 
Depoimento de posseiro
- E o senhor pagou quantas parcelas dessas de 300 o senhor pagou?
- Três.
- E todo mundo pagou isso?
- A maioria do povo pagou.
 
Esse posseiro fala de outra irregularidade: todo mundo que foi para Senador José Porfírio teve que transferir o título de eleitor para o município.
 
Depoimento de posseiro
- Veio uma equipe na vila Mocotó e foi transferido aí quase dois mil títulos
- Dois mil títulos? Nesse mesmo dia?
- Não ficou parece que uns quatro dias.
 
Em todos os depoimentos que já fazem parte de uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público aparece o mesmo nome.
 
Depoimento de posseiro
- A gente comprou de homem chamado Jassônio.
- Vocês pagaram quanto?
- Dez mil.
 
Depoimento de posseiro
- Quem tava surgindo com essa doação aqui era Jassônio.
Depoimento de posseiro
- Essa terra era do Jassônio.
 
Alguns dizem ter recebido os lotes de graça.
 
Depoimento de posseiro
- Vou lhe dizer e você parece que nem vai acreditar.
- Hum.
- Você acredita que foi doada?
- Foi doada?
- Foi. Pois é! Mas eu tenho que dizer o certo, não é não?
- E quem foi que doou essa terra para o senhor?
- Você não vai acreditar também.
- Quem?
- Mas foi o Jassônio.
 
Jassônio Costa Leite é um homem de camisa vermelha listrada que aparece em frente ao Palácio da Alvorada abordando o presidente Bolsonaro.
"Tá comigo aqui o Jassônio, que mesmo morando no Tocantins mantêm suas relações, seus negócios, suas terras", fala o senador Zequinha Marinho, do PSC/PA.
 
Bem relacionado em Brasília, ele aparece no gabinete do senador Zequinha Marinho, do PSC do Pará.
 
"Nós ficamos agradecidos senador, de ter uma pessoa como o senhor empenhado a resolver uma situação dessas", fala Jassônio Costa Leite, fazendeiro.
 
O senador Zequinha é autor de projetos para suspender a criação e demarcação de terras indígenas. Em fevereiro, ele tentou barrar uma operação do Ibama em Ituna Itatá. Mas não conseguiu. A Justiça manteve a operação.
 
O senador continuou atacando a fiscalização do Ibama. "Nós não podemos através da polícia do Pará dar cobertura a servidor bandido, malandro como esse pessoal do Ibama", afirma o senador.
 
A assessoria do senador Zequinha informou que eles está incomunicável, de quarentena, num sítio do interior do Pará. Jassônio não respondeu a nenhum dos recados que o Fantástico deixou nos telefones encontrados no nome dele. Mas o Ministério Público Federal já investiga a grilagem na região da terra indígena Ituna Itatá, além de requisitar mais fiscalização.
 
"Em relação a essas invasões, a esses desmatamentos reiterados nessa região o MPF tem encarado essa situação com muita preocupação e tem expedido uma série de recomendações para que haja o incremento, o reforço da fiscalização ambiental adotando todas as medidas para que isso aconteça, podendo se valer inclusive de ação civil pública pra obter uma ordem judicial determinando a fiscalização", explica a Procuradora da República, Isadora Carvalho.
 
Para o professor Raoni Rajão, que estuda a Amazônia há 20 anos, o próprio governo acabou incentivando a grilagem ao editar, no fim de 2019, a medida provisória 910. Ela trata da legalização de áreas públicas invadidas e desmatadas, em alguns casos até 2018, um ano antes da publicação da lei. A medida abrange uma área passível de legalização do tamanho de duas vezes o estado de São Paulo.
 
"É uma MP que visa facilitar a grilagem. Você sinaliza muito claramente pra quem tá cometendo atos ilegais no chão que o que é crime hoje vai ser premiado no futuro", afirma Raoni Rajão, pesquisador da UFMG.
 
Para continuar valendo, a medida provisória tem de ser aprovada no parlamento até 19 de maio.
 
A presidência da Câmara dos Deputados informou que só vai colocar em votação se houver consenso entre os líderes de todos os partidos. E até agora não há. Se não for votada no prazo, a medida perde a validade.
 
O Fantástico quis saber a posição do presidente Bolsonaro a respeito, mas o Palácio do Planalto informou que não vai se manisfestar.
 
Longe de Brasília, Bedjai Txucarramãe, que é contra a MP 910, prevê tempos ainda mais difíceis para seu povo enquanto durar a pandemia. "Peço a todos os indígenas que fiquem nas suas aldeias. Fiquem nas suas terras! Temos de nos preparar para o pior", alerta o líder indígena.
 

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