"Queimadas estão prejudicando até a nossa água", diz agricultora familiar | Land Portal

Por Marcos Candido 

A agricultora Maria Josefa costuma dizer que mora "no meio do mato", rodeada por um pomar colorido pelos tons alaranjados dos pés de acerola e cacau cultivadas por ela na comunidade Tancredo Neves, em São Félix do Xingu, no Pará. Lá a telefonia não chega, e até 2017 não havia nem energia elétrica. Porém isso não impediu Josefa de se tornar tesoureira e presidente interina de um projeto que mantém a cor e a vida do meio ambiente: a agricultura familiar.

A agricultura familiar é um conceito em que pequenos agricultores fazem o uso mais sustentável da terra, sem uso de defensivos agrícolas e respeitando o solo e a sazonalidade. No lugar de grandes propriedades, entram grupos familiar.

Josefa é membro da Associação das Mulheres Produtoras de Polpa de Fruta (AMPPF), que desde 2012 reúne grupos familiares das comunidades de Xadá, Manguary e Tancredo Neves na região do Alto Xingu. Cerca de 20 famílias da associação produzem frutos no próprio quintal e vendem a polpa para o mercado da região. 

O Censo Agropecuário de 2017, último ano do levantamento, mostra que mais de 10 milhões estavam empregados no ramo de agricultura familiar, ou 67% do total de pessoas ocupadas na agropecuária em todo o país. No ramo de frutas como o abacaxi, por exemplo, 69% da produção parte da agricultura familiar. 

"Como as associadas estão distribuídas em várias partes do município, formando uma rede, elas incentivam além da sua família diretamente, outros produtores e produtoras a buscar sistemas de produção de frutas e cacau de forma mais eficiente e produtivo utilizando práticas da agroecologia, uma forma de produção que busca a conservação do meio ambiente", explica Eduardo Trevisan Gonçalves, gerente de projetos do Imaflora, que apoia a associação por meio do programa Florestas de Valor. 

Ele acrescenta: "A busca por alternativas à exploração ilegal é fundamental para que possamos oferecer às comunidades opções rentáveis, sustentáveis e principalmente legais para a exploração consciente dos recursos naturais." 

Josefa sabe bem a diferença entre os dois modelos. "Há uns dez anos, eu e meu marido mexíamos com gado. Eu era a cabeça da nossa terra. A gente decidiu começar a plantar cacau, mas ainda tinha fazenda em volta. Na época do fogo, eles queimaram nosso cacau todinho. Eu chorei demais", lembra-se. 

Tem que preservar as árvores. As queimadas estão prejudicando até nossa água, que não é mais a de antigamente. Porque daqui uns anos, não vai prejudicar só nossos filhos, mas também os netos.

Maria Josefa

 

Os índices de desmatamento crescem em diferentes biomas no Brasil e a tradicional temporada de queimadas deve acelerar esse processo. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), junho registrou 2.248 focos de incêndio somente na região amazônica.

Entre 2018 e 2019, o desmatamento também aumentou quase 30% na Mata Atlântica, o maior número desde 2016. Já a Amazônia registrou 1.034,4 km2 de áreas com alerta de desmatamento em junho, de acordo com satélites em tempo real do Inpe. É o recorde para o mês desde 2015. Em comparação ao primeiro semestre de 2019, foi um aumento de 25% em áreas desmatadas na região. 

Para driblar as estatísticas, além da agricultura familiar, há quem está revertendo esse número de forma mais direta, e em diferentes biomas pelo país. Conhece, neste dia da Preservação das Florestas, celebrado hoje (17), iniciativas que estão ajudando a conservar e recuperar áreas verdes. 

 

Reservas particulares

É o caso da reserva natural Serra do Tombador, em Goiás. O local protege e repõe a vegetação há 26 anos. As duas reservas são particulares e administradas pela Fundação Grupo Boticário, fundo destinado a projetos ambientais da empresa da área de cosmético.

A reserva tem 9 mil hectares destinados à pesquisa da biodiversidade e também é uma proteção contra os incêndios florestais, uma das principais ameaças ao bioma do Cerrado. "Com a recuperação da vegetação, aumentamos a área em que espécies nativas possam percorrer e usufruir", explica Marion Silva, bióloga que atua na conservação de grandes áreas de vegetação há mais de 20 anos. 

É a segunda reserva administrada com a ajuda pesquisadora. A outra fica no Paraná, em região de Mata Atlântica, e recuperou 390 hectares de uma área com 400 hectares desmatados em 26 anos. "A floresta restabelecida também estimula a vida no entorno, movimenta a economia e traz capital à população do entorno, já que - como a nossa Reserva - pode atrair turistas por suas belezas cênica e natural", conclui. 

Já o fotógrafo Sebastião Salgado e sua mulher, Lélia Deluiz Wanick, fundaram o Instituto Terra em 1998 para recuperar um trecho de Mata Atlântica no Vale do Rio Doce, onde fica a fazenda da família, em Aimorés (MG). A área foi reconhecida como Reserva de Patrimônio Natural (RPPN) ainda degradada, dado um compromisso com sua recuperação. Desde então, foram plantados mais de 2 milhões de mudas de 293 espécies nativas da Mata Atlântica em uma área total de 608,69 hectares. O trabalho de recuperação fica visível ao se comparar fotos da região ao longo dos anos. Os tons amarronzados do desmatamento deram lugar ao verde vivo da mata. Atualmente, o Instituto produz mudas e as fornece para famílias da região interessadas em recuperar árvores nativas em suas propriedades. De lá, já saíram mais de 6 milhões de mudas. As mudanças são perceptíveis também na fauna, com presença de espécies de aves, mamíferos, anfíbios e répteis - alguns deles em risco de extinção. 

A Flourish Data Visualisation

 

Ferramenta transforma buscas em árvores

Tem ainda quem tem olhado para a tecnologia como ferramenta para acelerar a recuperação de florestas pelo mundo. A plataforma Ecosia transforma buscas na internet em árvores plantadas em 15 países, por meio de parcerias com projetos locais.

O site funciona da seguinte maneira: as propagandas apresentadas a cada busca geram uma pequena renda (média de 0,5 centavos de euro) que é investida na plantação de árvores nativas e em projetos de conservação, que inclui prevenção de queimadas e manejo. Em maio, 80% do lucro retornou para o meio ambiente com repasse de R$ 3,3 milhões. 

No Brasil, além do próprio instituto de Sebastião e Lélia, participam do projeto o Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan) e o IPÊ- Instituto de Pesquisas Ecológicas. Outros países que recebem auxílio são Burkina Faso, Colômbia, Espanha, Etiópia, Gana, Haiti, Indonésia, Madagascar, Marrocos, Nicarágua, Peru, Senegal, Uganda, Quênia e Tanzânia.

 

Esta matéria foi originalmente publicada em ECOA

 

 

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