“A pressão está aumentando, e para os Mashco não é diferente. Tem coisa acontecendo na fronteira que a gente ainda não sabe. Se fizer monitoramento por imagens de satélite vamos ver muitas clareiras [de desmatamento] na região do Alto Rio Acre”, afirma José Frank, da Comissão Pró-Índio.
“Toda esta fronteira do Acre, desde as cabeceiras do rio Acre, passando por Ucayali e a Serra do Divisor, além de ser de alta biodiversidade, também guarda uma rica área cultural de povos diferentes e isolados que nem temos conhecimentos de quais são ou quantos são”, reforça Ana Luiza Melgaço Ramalho. “Essa pressão está aumentando cada vez mais. Madeireira, narcotráfico e garimpos, mais a escassez de recursos naturais do lado peruano que reduz alternativas de alimentação.”
Além de buscarem por mais oferta de alimentos, os Mashco Piro devem estar à procura de mais segurança física. Para o sertanista José Meirelles, ainda não é possível afirmar se os isolados desejam estabelecer algum tipo de contato com os Manxineru. Para ele, os novos “moradores” da TI Mamoadate ainda estão numa fase de observação dos vizinhos para saber se é seguro para eles manter seus tapiris por ali.
A aldeia Extrema fica às margens do rio Iaco, que banha toda a Terra Indígena Mamoadate, a maior em extensão territorial do Acre. Homologado em 1991, o território mede 314 mil hectares espalhados pelos municípios de Assis Brasil e Sena Madureira, sendo habitado pelos Manxineru e Jaminawa.
A TI está entre as 11 do Acre com registro da presença ou passagem de grupos isolados, assim como a vizinha Cabeceira do Rio Acre, também território dos Jaminawa e Manxineru.
A Mamoadate faz limites com as unidades de conservação Reserva Extrativista Chico Mendes, Estação Ecológica Cabeceira do Rio Acre e o Parque Estadual do Chandless. Todos estes rios – Acre, Iaco e Chandless – estão na bacia do Purus, um dos principais afluentes da margem direita do rio Amazonas.
Apesar da existência desse cinturão de áreas protegidas com quase 2 milhões de hectares, as terras indígenas e unidades de conservação no sudeste do Acre passaram a sofrer, desde 2019, pressões pela expansão da pecuária e extração de madeira.
A região é a mais impactada pela política de ocupação da Amazônia implementada durante a ditadura militar (1964-1985), já a partir da década de 1970.
Os extensos seringais, após o colapso da economia da borracha, viraram fazendas de gado. Foi por essas terras que surgiu o movimento de resistência contra a devastação da floresta, liderado pelo seringueiro Chico Mendes.
Em 2019, um ramal começou a ser aberto por um fazendeiro de Assis Brasil nos limites da TI Mamoadate e da Resex Chico Mendes. A justificativa era a de que a estrada serviria para tirar as toras de madeira de projeto de manejo numa de suas fazendas.
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou, em setembro de 2019, que o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) não concedesse as licenças para a obra não fossem concedidas.
Assim, a abertura do ramal foi embargada. O dono da fazenda é processado pelo MPF por ter desmatado mais de 70 hectares de floresta dentro da Resex Chico Mendes sem autorização.
O avanço das madeireiras na fronteira
Caminhão entra em território Yine Piro para retirar toras em projeto de manejo desenvolvido na área, com autorização dos indígenas (Foto: Jardy Lopes/set19)
No Peru, as terras indígenas são chamadas de comunidades nativas. Os Yine entregaram parte dos 53 mil hectares das terras da Comunidade Nativa Bélgica, em Iñapari, para o manejo de madeira.
Agora, o tráfego de caminhões carregados com tora se intensificou dentro do ramal que passa pela comunidade. “Os donos das madeireiras chegam para a liderança, tiram a madeira, empregam os parentes, mas no final deixa o povo na miséria.
Os indígenas ficam sem madeira e sem roçado”, diz José Frank, da CPI-Acre.
Há um certo consenso entre ambientalistas e pesquisadores de que esses impactos descontrolados na porção sul da Amazônia peruana foram causados pela construção da Rodovia Interoceânica, que tinha como promessa promover o desenvolvimento na tríplice fronteira Brasil-Bolívia-Peru.
A estrada pretende conectar a região aos portos do litoral peruano do Pacífico.
Na prática, as consequências da obra são a devastação de imensas áreas de floresta para a retirada de madeira e abertura de garimpos. Também a região se tornou uma das novas rotas para o tráfico internacional de drogas e humanos. E os antes protegidos indígenas isolados agora não conseguem mais escapar desses efeitos predatórios.
O que a Funai tem feito
Posto de Vigilância da Aldeia Extrema (Foto: Equipe Manxineru de monitoramento)
A Funai informou que apoia o trabalho desenvolvido pelos Manxineru de proteção e monitoramento territorial, e realiza ações próprias por meio de expedições e sobrevoos para detectar possíveis ameaças aos grupos isolados. Estas ações são executadas por meio da Frente de Proteção Etnoambiental Envira.
Segundo o órgão, o principal trabalho feito para monitorar a presença dos isolados é feito pelos próprios Manxineru, por meio de um posto de controle construído na aldeia Extrema.
A Funai afirma que orienta os Manxineru a adotarem a política de não contato com os “parentes desconfiados” e para evitar a visita de não-indígenas em suas comunidades no atual contexto de pandemia.
“Os colaboradores, cientes da política de não contato [com os isolados] exercida pela Funai, recebem alimentação, combustíveis e auxílio financeiro, exercendo um trabalho permanente que contribui para minimizar os impactos da pandemia nas aldeias do entorno por meio da sensibilização sanitária e do isolamento social”, diz nota enviada à Amazônia Real.
Ainda de acordo com o órgão, o posto de controle pode se comunicar rapidamente por radiofonia com a sede da Funai e que uma barreira sanitária foi instalada no Rio Iaco, próximo de onde os Mashco Piro podem ter passado.
Em novembro, foi realizada uma segunda atividade de monitoramento dos isolados e até um sobrevoo chegou a ser realizado, não encontrando “ameaças externas nessa área protegida”, conclui a nota.
Grupo de monitoramento Manxineru em atividade de monitoramento e identificação de vestígios de isolados (Foto: Equipe Manxineru de monitoramento/Jan2020)