O que fazer com tanta madeira apreendida (Moçambique) | Land Portal

Autor: Alfredo Dacala


Fonte: http://www.jornaldomingo.co.mz/mais/editorial-top/9150-o-que-fazer-com-tanta-madeira-apreendida


O Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) desencadeou há poucos meses uma mega-operação de fiscalização das áreas de corte, arrasto, concentração e processamento de madeira, cujos resultados deixaram meio mundo de queixo caído.


Foram encontrados toros e mais toros de várias espécies florestais que, pelo que nos foi dado a perceber, teriam sido explorados impiedosamente por operadores formais e informais que se deixaram enredar por um negócio chorudo aos olhos de qualquer mortal moçambicano, mas bem mais lucrativo para os intermediários e para os compradores finais.


O jornal domingo aplaudiu a iniciativa porque há muito que se bate por uma exploração sustentável, ou seja, por uma utilização racional dos recursos florestais, faunísticos, em suma, recursos naturais que o país possui. Há que contar com as gerações futuras quando o assunto é fazer uso daquilo que a natureza nos oferece, uma vez que vêm aí gerações que precisam de colher de nós um legado.


E é justamente a pensar nessas gerações que muitos entendem que toda aquela madeira deveria ser colocada em hasta pública, ser vendida no mercado nacional para que carpinteiros e marceneiros locais possam adquiri-la e transformá-la em bens de que tanto precisamos. Seria uma forma de o Estado oferecer a tantos homens e mulheres que lidam com este sector de revitalizarem as suas actividades económicas, gerando emprego, salários, rendas fiscais e um bem-estar colectivo.


Do outro lado da “barricada” estão aqueles que entendem que os milhares de toros devem ser transformados em carteiras que tanta falta fazem aos petizes que frequentam as nossas escolas primárias e secundárias e que sentem no corpo e na alma a dor de aprenderem a ler e a escrever sentados no chão gélido de um inverno cada vez mais rigoroso, fruto das famosas mudanças climáticas.


Na óptica do domingo, ambos os raciocínios fazem sentido mas pecam por gerarem a sensação de que é tudo pêra-doce. Que isso se faz num estalar de dedos. Num toque de mágica.


Na nossa perspectiva, há que despertar para a realidade que é bem mais complexa do que o nosso desejo colectivo. Em primeiro lugar, porque da apreensão à determinação de que aquele “tesouro” deve ser visto como bem do Estado vai uma distância de meses, senão mesmo anos, de processos judiciais que, como sabemos, devem fazer longas filas nos nossos tribunais.


É que as apreensões decorreram em período de defeso, altura em que os proprietários dos estaleiros onde a campanha decorreu estavam de férias algures. Pelas imagens que nos foram oferecidas pelas televisões, em alguns casos foi necessário pular cercas simples e grandes vedações para aceder àqueles locais.


Assumindo que alguns destes podem ter sido encontrados em contra-pé, podemos estar perante situações que deverão ser objecto de longos e difíceis esgrimir de argumentos em fóruns judiciais.


Em segundo lugar, a venda em hasta pública requer do Estado a capacidade de expurgar do processo aqueles que participaram no corte ilegal para que não sejam os mesmos a concorrerem e, por essa via, a manipularem a venda a ponto deste precioso produto ser vendido a preço de banana e se fazer jus à tese de que “quem ri por último ri melhor”.


Em terceiro lugar, há que ponderar na possibilidade de se pegar em todo aquele produto e convertê-lo em carteiras escolares, algo que à primeira vista parece ser a melhor solução, porque, de facto, é calamitoso ver a nossa pequenada a aprender o bê-a-bá sentada à maneira.


Porém, esta solução peca por não incluir a ponderação do tipo de madeira que temos apreendido. Conforme se pode imaginar, naqueles enormes molhos, há de tudo um pouco, ou seja, tem ali madeira preciosa e espécies de primeira, segunda, terceira e quarta classes, de elevado valor comercial.


Estão ali desde troncos de umbila, chanfuta, jambire, chacate-preto, pau-rosa, pau-preto, pau-ferro, tule, sândalo, ébano, mecrusse, tanga-tanga, mondzo, umbaúa, mutondo, mucarala, messassa, enfim, a lista vai até 118 espécies de madeira, incluindo a muanga e chanato.


Ora, só por esta abreviada lista, percebe-se à distância que estamos perante uma vasta gama de tipos de madeira, cuja utilização havia de requerer um esforço hercúleo para transformá-la em pranchas que dariam origem aos tampos das carteiras e respectivos suportes.


Por outro lado, é sabido que nem toda esta madeira serve para fazer mesas e cadeiras (pese embora seja madeira) como é o caso do pau-preto que, como se sabe, é processada em indústrias de elevada quilate para a produção de instrumentos musicais como clarinetes e teclas de piano. Processadores de pau-preto, excluindo os nossos escultores, são indústrias estabelecidas na Alemanha, Japão e pouco menos.


Mas, mais do que isso, há que questionar se o sector da Educação não pode consolidar o seu processo de mobilar as escolas sem ficar dependente de operações do género, uma vez que se cristaliza a ideia de que é preciso apreender madeira para que haja carteiras.


Interessará a todos que o sector florestal esteja organizado, aliás, muito bem organizado, que o sector da Educação tenha também o seu grau de aprumo e seja capaz de investir em infra-estruturas básicas, falamos de salas de aula (de verdade), carteiras, entre outros, sem ter de ficar a esfregar as mãos à espera que os camiões que passam com madeira sejam interpelados por fiscais e apreendidos para daí sobrar madeira para fazer o mobiliário escolar.


 

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