Políticas de Terra: Como é que o Assunto é Tratado nos Vizinhos Africanos? | Land Portal

Por Hermenegildo Langa


Em África, muitas preocupações em torno da exploração de terra são semelhantes, sobretudo a necessidade de evitar conflitos assegurando a posse segura pelas comunidades. O Ruanda é um dos exemplos a seguir, mas há outras experiências, boas e más, sobre as quais vale a pena reflectir.


Angola tem uma história semelhante à de Moçambique, até mesmo no que diz respeito a questões relativas à gestão de terras. Mas o percurso nas reformas tem estado a ditar um rumo diferente. Um artigo publicado no portal Angola Press, a 14 de Junho passado, faz uma resenha do percurso do País e dá a entender que os angolanos estão, de certa forma, confortáveis com os resultados das reformas que foram realizando nos últimos anos na sua legislação que data de 1992.


De acordo com o artigo, “o Estado angolano continua a dar particular atenção à questão do acesso à terra, com actualizações periódicas da legislação, com vista a permitir um melhor aproveitamento dos terrenos, fundamentalmente para efeitos agrícolas e habitacionais”.


Embora a base da construção da Política e Lei de Terras tenha sido semelhante, ao contrário do que acontece em Moçambique, em Angola, um olhar atento, baseado num estudo comparado, demonstra que enquanto a Lei de 1992 era reduzida apenas a fins agrários, a actual Lei de Terras (Lei n.º 9/04, 9 de Novembro) trouxe uma visão integradora e multidisciplinar e passou a abarcar funções agrárias, económicas, sociais e urbanísticas, que permitem aos particulares e às sociedades serem titulares de diversos direitos sobre terrenos.


Assim, hoje, com a mudança de paradigma suportada em fundamentos da Lei Magna (2010), a terra passou a ser propriedade originária do Estado, que tem uma parte considerada de domínio público, isto é, que não se pode vender a pessoas singulares e colectivas, e outra de domínio privado, ou seja, vendável.


Mas este conforto não é de todo generalizado. Há quem defenda uma nova revisão da Lei, com o argumento de que, apesar dos avanços, a maioria dos terrenos em posse dos cidadãos é desprovida de título ou documento legal


Para os angolanos, “a Lei em vigor está mais enriquecida, tratando a problemática da terra na perspectiva da habitação, do uso e do aproveitamento das riquezas naturais, relevando, inclusive, o direito mineiro, agrário, florestal e de ordenamento do território. Também dá suporte ao exercício de actividades económicas, agrárias, industriais e de prestação de serviços”.


Com as mudanças na legislação, a aquisição de direitos é por contrato. Os interessados podem requerer uma parcela, para fins diversos, aos governos provinciais, ministérios de tutela e Conselho de Ministros, desde que tenham capacidade de aquisição dos direitos sobre bens imóveis.


Mas este conforto não é de todo generalizado. Há quem defenda uma nova revisão da Lei, com o argumento de que, apesar dos avanços, a maioria dos terrenos em posse dos cidadãos é desprovida de título ou documento legal. Além disso, muitos cidadãos não se preocupam em legalizar os espaços.


DE diario economico


Continuam a erguer residências em terrenos pertencentes ao Estado, sem falar na ociosidade de grandes porções de terra nas mãos dos cidadãos. Mesmo com o reconhecimento dos avanços, estes factores vão adiando o alcance do ponto óptimo na gestão da terra em Angola, o que vai suscitando a necessidade de reformas adicionais.


Aprender com o Ruanda e o Leste Europeu


O Banco Mundial apoiou os esforços de muitos governos na transição das economias centralmente planificadas para economias de mercado, que envolveram acções como o registo de direitos de terra, modernização de registos e cadastros fundiários, a criação/modernização de sistemas de informação fundiária, entre outros. Segundo a instituição, Moçambique pode, certamente, aprender com essas experiências e o Banco está pronto para apoiar consultas e intercâmbios sobre as lições aprendidas.


Um exemplo notável em África é a experiência do Ruanda, que levou à emissão massiva de títulos de propriedade sobre a terra e o registo de direitos fundiários, bem como a incorporação destes num sistema moderno de administração fundiária.


Alguns não fizeram essa transição de forma transparente, eficiente e justa, e acabaram por piorar ainda mais o uso e aproveitamento da terra


De notar ainda que muitos países do Leste Europeu foram dos primeiros a reformarem as suas economias, o que levou a mudanças profundas no quadro legal e institucional. Essas mudanças ajudaram estes países a se desenvolverem economicamente e a melhorarem as condições de acesso à habitação e investimento para aumentar a produtividade da terra.


Alguns não fizeram essa transição de forma transparente, eficiente e justa, e acabaram por piorar ainda mais o uso e aproveitamento da terra. “Por isso é muito importante para Moçambique esse debate público, informado por estudos profundos, e que envolva todos os sectores da sociedade para garantir que essas reformas, tragam os benefícios esperados para o desenvolvimento do país”, sugere o Banco Mundial.


A dura batalha da África do Sul e do Zimbabué


O rumo traçado por estes países divide opiniões. Há quem o considere correcto e quem o critique. A E&M não assume qualquer posição a respeito, mas pretende recordar ao leitor as consequências de uma lógica de política de expropriação de terras que ambos seguem ao tentarem estabelecer o que chamaram de justiça social, podendo contribuir, eventualmente, para tirar ilações do que se pode ou não fazer no contexto interno.


O economista António Francisco recorda que o Zimbabué imitou Moçambique e fez ao fim de 20 anos o que aqui foi feito em um ano ou dois, quando o País expulsou os colonos. Para o economista, ao fazer isso, o Presidente Robert Mugabe tinha motivações meramente políticas, nomeadamente a de tentar salvar o seu Governo colocando os rurais contra os urbanos, perante os quais já estava a perder poder.


Mas os resultados disso sobre a economia foram avassaladores: o País precipitou-se para uma crise económica sem precedentes, porque na mão dos farmeiros negros, a terra ficou praticamente improdutiva face ao fraco domínio das técnicas de produção em comparação com os agricultores brancos. Por isso, “o actual Presidente do Zimbabué anda à procura dos farmeiros brancos para os indemnizar”, recorda o economista, dando a entender que se trata de um assumir de erros por parte do Governo zimbabueano.


Enquanto isso, a África do Sul vem ensaiando o mesmo caminho do Zimbabué e, desde princípios de 2018, fala na alteração da legislação, no sentido de expropriar a terra dos farmeiros brancos sem os indemnizar. Ciente das consequências que esta medida trouxe ao Zimbabué, o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, diz ser “uma questão que vamos continuar a tratar com cuidado e com responsabilidade”. O certo é que a Lei de Terras Nativas da África do Sul, aprovada em 1913 deu direito de posse de 90% das terras aos brancos, que constituíam à época menos de um terço da população.


Uma fórmula única para a África


Um relatório do Banco Mundial intitulado “Como África pode Transformar a Posse da Terra, Revolucionar a Agricultura e Acabar com a Pobreza”, publicado há sete anos, já referia que mais de 90% dos terrenos rurais de África estão indocumentados, o que os torna extremamente vulneráveis a usurpações e expropriações com compensação muito baixa.


No entanto, e com base em experiências piloto encorajadoras em alguns países, incluindo Moçambique, o relatório sugere um plano de acção que aponta que o continente poderia, finalmente, concretizar a grande promessa de desenvolvimento das suas terras, no decorrer da próxima década, se adoptasse medidas que incluíssem, entre várias outras, a realização de investimento para cadastrar todas as terras comunitárias e as mais férteis.


Esta matéria foi originalmente publicada em DE diario economico. 


 

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