Estado de Alerta na cidade de São Paulo e a lógica extrativista do fim do mundo | Land Portal
Na madrugada de ontem as chuvas desabaram sobre a cidade de São Paulo e sua insana região metropolitana.
 
Os que possuem um lugar seco e seguro, dormiam ao som da água enquanto milhares de famílias que vivem em condições absolutamente insegura só podiam se desesperar e pedir ao mesmo céu de onde brotava a chuva algum milagre que as mantivessem vivas.
 
A cidade de São Paulo possui, hoje, 12 milhões de habitantes e a região metropolitana – que conta com 39 cidades – soma no total, 21,5 milhões de pessoas, segundo os últimos dados do IBGE.[1]
 
O raiar do dia iluminava ruas inundadas, encobertas por água, lama e lixo. Estabelecimentos comerciais e prédios públicos fechados, impossibilitados de funcionar. Casas espalhadas em bairros de periferia cheias de água e desespero.
 
Este é um triste ciclo que se repete ano após ano e a cada vez que pobres perdem tudo o que conquistaram à custa de muito trabalho e dificuldades, os governantes da vez proclamam estar surpreendidos com a força das águas. A “surpresa” se repete anualmente assim como o escárnio presente em suas palavras.
 
Imagens reproduzidas por todas as redes de televisão mostravam pessoas ilhadas em cima dos pontos de ônibus, presas no telhado de suas casas, carros e caminhões submersos. O CEAGESP – Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo, uma das maiores empresas estatais brasileiras de abastecimento e o 3º maior centro atacadista de alimentos do mundo – figurava numa imagem surrealista com água por todos os lados e alimentos boiando enquanto trabalhadores navegavam utilizando pedaços de madeira como botes e vassouras como remos.
 
O estado de alerta foi acionado, crateras engoliram automóveis em rodovias do interior e morros desabaram arrastando frágeis casas de famílias pobres que não possuem dinheiro suficiente para viver em regiões que a especulação imobiliária engoliu e engole todos os dias.
 
Já se contam pessoas mortas, arrastadas pela força das águas mas os números ainda não estão fechados.
 
Credito Itupeva Agora.
Credito Itupeva Agora.
 
Os que me conhecem sabem que sou ativista de movimentos de moradia há mais de 15 anos e foram inúmeras as vezes que ouvi dizerem que ocupávamos terras porque éramos vagabundos que não querem trabalhar.
 
Talvez nem todos os que me conhecem saibam que cresci numa casa que alagava todos os anos entre meus 2 e meus 17 anos de idade, sempre correndo com tijolos para levantar os móveis e tentar salvá-los quando a chuva começava.
 
Darcy Ribeiro dizia que o caos na educação não é um caos, é um projeto. Acredito que esse mesmo mecanismo do pensamento possa explicar muitas das mazelas que nós pobres atravessamos. O caos das cidades, não é um caos, é um projeto.
 
O projeto da especulação, o projeto do lucro de empreiteiras como a TENDA que dias atrás teve uma de suas obras ocupadas pelos irmãos Guaranis do Jaraguá por derrubarem mais de 4 mil árvores ilegalmente para construir apartamentos ao lado de uma terra indígena dentro da capital.[2]
 
Aqueles que dormiram tranquilos reclamaram da força das águas que não os deixava passear com seus carros pela metrópole interditada e bradavam aos quatro cantos que os pobres irresponsáveis deveriam ir viver em outras regiões ao invés de superpovoar a sua linda cidade-mercadoria.
 
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, teima em dizer que não existe mudança climática e que o progresso e desenvolvimento chegará aos indígenas que um dia serão “gente como nós”. O governador do Estado de São Paulo, João Dória, dizia que um dia todos os brasileiros teriam o direito de usar roupas da marca Polo Sport Ralph Lauren, como ele. O prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas, aumentou o preço das tarifas de transporte público, destruiu ciclovias (ao invés de aumentá-las dada a pouca oferta), retirou linhas de ônibus de vários bairros pobres e com isso aumenta a quantidade de carros em circulação na cidade impossível (mais de 6 milhões de automóveis na cidade).[3]
 
O progresso e o desenvolvimento, modelos de organização econômica generalizados como meta capitalista de bem estar se desnudam como tragédia e as queimadas na Amazônia – assim como a mega-mineração destruidora de cidades como Mariana e Brumadinho (MG) agora liberada pelo presidente também em áreas de preservação – nos faz caminhar como humanidade a passos largos na direção do abismo destruidor que transforma tudo em dinheiro.
 
A lógica extrativista do capital-patriarcado que destrói nossas vidas, que violenta nossas mulheres, coloniza nossas culturas e escraviza nossos povos se alimenta da natureza golpeada que explode em espasmos a cada tanto.
 
É verdade que precisamos mudar os nossos hábitos e modos de vida, é sim verdade que precisamos pensar no que descartamos – porque para o planeta não existe “jogar fora” – é sim verdade que a permacultura, que a agroecologia e agricultura urbanas precisam se proliferar (não como artigo de luxo hippie para o consumo de classes médias mas onde a fome assola sem pena desde sempre).
 
Mas é urgente compreender que este é um sistema falido, que politicamente os representantes já não representam e que não teremos futuro enquanto quase toda a humanidade e toda a natureza trabalham numa lógica produtivista incansável para engordar os bolsos daqueles que jogam como nossas vidas na roleta das bolsas de valores, especulando com terra, água e comida.
 
É urgente armar-se de solidariedade, buscando doações de roupas, móveis, comida e cobertores para entregar a nossos irmãos e irmãs que mais uma vez perderam todo o pouco que possuíam.
 
É urgente a consciência de que é preciso radicalizar a luta anticapitalista, nas ruas, em todas as partes, já que é a própria possibilidade de continuidade da vida que está ameaçada, assim como a certeza de que dos de cima nada se pode esperar, somos nós, os debaixo, que poderemos virar o jogo e libertar a nós mesmos a à toda vida do jugo da exploração, do progresso e do tal desenvolvimento.
 
É urgente construir, por nossas mãos, um caminho popular para o bem viver.
 
[1] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística
 
 
 
Esta matéria foi publicada orginalmente na Revista Amazonas. 
 
 

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