Suicídio ecológico e ecocídio indígena e de ribeirinhos | Land Portal

Por Manuela Carneiro da Cunha

Em maio deste ano, um grupo de cientistas independentes foi reunido pelo Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, para avaliar a situação da vazão do Rio Xingu, especialmente no trecho chamado de Volta Grande. "É um suicídio ecológico", declarou Jansen Zuanon, um eminente especialista de peixes e líder do grupo. "É também um etnocídio, que tudo indica decorrer da corrupção envolvida em Belo Monte", disse a procuradora Thais Santi, de Altamira.

Mas o que está ocorrendo na região? E o que pode vir pela frente? É preciso esclarecer que as transformações socioambientais decorrentes da implantação do complexo da usina de Belo Monte incidem diretamente sobre as terras indígenas Paquiçamba, do povo Juruna; Terrã Wãgã, do povo Arara; e TI Trincheira Bacajá, do povo Xikrin. A hidrelétrica coloca em risco a sobrevivência física e a reprodução cultural desses povos.

A antropóloga Sônia Magalhães, da Universidade Federal do Pará, explica que, por estarem situadas no trecho a jusante da barragem de Pimental, a assim chamada "Volta Grande do Xingu",  essas terras sofrem as consequências da severa redução da vazão do rio Xingu, cuja situação certamente será agravada a partir de 2020, com a implantação de um plano de vazão chamado de "hidrograma de consenso". Esse hidrograma regularia a  vazão mínima necessária na Volta Grande para assegurar a sustentabilidade ecológica e social desse trecho.

O hidrograma, em suma, contrariamente ao nome, não gera consenso algum. É um hidrograma de dissenso, de conflito. A antropóloga chama atenção para um parecer do Ibama e para o relatório realizado por especialistas independentes. Os Juruna aliás, já fizeram um monitoramento independente. Não resta mais dúvida de que " as vazões propostas no hidrograma vão inviabilizar a vida na Volta Grande do Xingu. Os documentos são contundentes e claras as evidências e indicativos de impactos graves e irreversíveis que já ocorrem e estão em curso, mesmo com vazões bem superiores às do hidrograma proposto".

Os impactos negativos já podem ser observados pela diminuição do pescado, principal fonte de renda e alimentação; pela redução da navegabilidade; pelo aumento da disputa por recursos ambientais entre indígenas e não indígenas. Sônia Magalhães ressalta que, de acordo com o MPF, "os dados demonstram que houve redução drástica no uso de peixe para alimentação do povo Juruna e o aumento do consumo de alimentos provenientes da cidade, o que tem causado problema de saúde na população, que antes não se verificavam, tais como hipertensão, obesidade etc.".

O curso da tragédia se estende ao Rio Bacajá, tributário do rio Xingu na margem direita da Volta Grande. Vem do Bacajá a principal fonte de água e pescado do povo Xikrin. A baixa vazão também pode inviabilizar a navegação local, afetando a circulação tradicional desse povo. Como se não bastasse, os Xikrin ainda aguardam a desintrusão de sua área.

 

Manuela Carneiro da Cunha, integrante da Comissão Arns, foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia.

Este texto foi originalmente publicado em Comissão ARNS

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