Florestas Públicas Não Destinadas e a modernização da grilagem na Amazônia | Land Portal

Como dito em outros artigos, o principal motor do desmatamento nas Florestas Públicas Não Destinadas (FPND) tem sido a grilagem, isto é, o processo de ocupação ilegal de uma terra pública mediante o uso da falsificação de documentos de posse ou propriedade. A grilagem fez parte da história da ocupação econômica da Amazônia brasileira, moldando-se aos ciclos de colonização, e materializando-se em formas cada vez mais modernas. Isto é, se antes, a fraude documental era feita por meio do envelhecimento [1] de um suposto documento de posse indevida de uma determinada área, concedendo ao invasor de terra pública uma “comprovação” de que havia posse antiga da mesma.


Observa-se hoje uma sofisticação dos grileiros. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) [2], as mudanças legislativas das últimas duas décadas contribuíram para a legalização da ocupação ilegal de terras públicas e pela leniência para com o desmatamento ilegal na região. Isso porque os grileiros estão fazendo uso fraudulento do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o qual está previsto no novo Código Florestal, exigindo que todo imóvel rural seja registrado para fins de regularização ambiental. Em outras palavras, a fraude acontece quando o CAR do imóvel é utilizado como instrumento fundiário para comprovar a posse indevida de uma terra pública, permitindo inclusive que muitas vezes seja feito o levantamento de fundos lícitos e ilícitos para o financiamento do desmatamento da FPNDs e a posterior formação de pastagens – atividade esta que permite a elevação do preço da terra pública invadida no mercado imobiliário, ou seja, potencializa um segundo motor do desmatamento na Amazônia brasileira.


De acordo com o estudo do IPAM, há atualmente mais de 100 mil CARs declarados ilegalmente como propriedade privada sobre estas florestas públicas. Em 2018, a área total de supostos imóveis rurais declarados ilegalmente sobre FPNDs no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) se aproximava dos 11 milhões de hectares. Em 2020, este número subiu para 16 milhões de hectares, dado este que continua crescendo nos últimos anos. Também em 2020, foi observado que 65% do desmatamento ilegal ocorrido em florestas públicas ocorreram em áreas com CARs ilegais.


Segundo Paulo Moutinho [3], para conter a grilagem, será preciso duas ações fundamentais e urgentes: “primeiro deve- se por fim no uso fraudulento do CAR para viabilizar a ocupação e o desmate das FPNDs; a segunda é destinar, como exige a lei, estas FPNDs para proteção ou uso sustentável de seus recursos.


As declarações de propriedades sobre terra pública, portanto, não podem ser mais aceitas pelo SICAR e os procedimentos de destinação das FPNDs devem ser retomados pelos Estados e pelo governo federal. Além disto, será preciso, também, que se retome a fiscalização e a punição a grileiros que invadem e desmatam terras públicas. A capacidade operacional das agências de controle deve ser restabelecida e fortalecida”.


Se não forem criadas medidas para conter o desmatamento na Amazônia brasileira, o futuro socioambiental e econômico do Brasil estará em risco. As florestas públicas são um elemento chave para a manutenção de um regime de chuvas equilibrado que mantém parte significativa da produção agrícola do país, responsável por grande parte do PIB nacional.


Referências


1 - Este envelhecimento era obtido colocando-se o documento falso dentro de uma caixa cheia de grilos. Os insetos, então, deixavam o papel amarelado e corroído, dando-lhe aparência antiga desejada. É daí que vem o termo grilagem.


2 - IPAM. Florestas Públicas não destinadas e Grilagem. S/D. Disponível em: https://ipam.org.br/florestas- publicas-nao-destinadas-e-grilagem/. Acesso em 25 de abril de 2022.

3 - MOUTINHO, P. Ou o Brasil acaba com a grilagem, ou a grilagem acaba com o Brasil. Um só planeta, 20 de abril de 2022. Disponível em: https://umsoplaneta.globo.com/opiniao/colunas-e-blogs/o-mundo-que- queremos/noticia/2022/04/20/ou-o-brasil-acaba-com-a-grilagem-ou-a-grilagem-acaba-com-a-amazonia.ghtml. Acesso em 25 de abril de 2022.


Blog originalmente publicado no  IGTNews No. 48


 

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