Índios ocupam Funai do Mato Grosso do Sul contra nomeação de coronel do Exército | Land Portal

Fonte; Amazónia Real
Autora: Elaíze Farias
Foto: Reprodução; O coronel Renato Vidal Sant´Anna foi nomeado no último dia 10 pelo Ministério da Justiça
13/11/2016

Militar foi indicado ao cargo pelo deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS), que diz que “a Funai não funciona” e o “militar tem preparo de gestão” (A foto acima é de Hekere Terenoe)

Ao menos 60 pessoas, entre lideranças, professores e estudantes indígenas, ocupam a Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, desde quinta-feira (10) em protesto contra a nomeação do coronel da reserva Renato Vidal Sant´Anna, do Exército. Eles querem a exoneração do militar, que foi indicado ao cargo de coordenador da Funai em Campo Grande pelo deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS).

Carlos Marun tornou-se conhecido nacionalmente por defender o ex-presidente da Câmara, o deputado cassado e preso Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele também integra a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a Funai.

Perguntado sobre o motivo da indicação do coronel Sant´Anna para coordenar o ógão em Mato Grosso do Sul, estado que tem hoje os maiores índices de violência contra os indígenas devido aos conflitos com fazendeiros, o deputado Carlos Marun disse à Amazônia Real que “a Funai não funciona” e que  o  “militar tem preparo de gestão”.

A liderança indígena Lindomar Terena, um dos ocupantes da sede da Coordenação Regional da Funai em Campo Grande, disse que, “não há como aceitar” um coronel indicado por um deputado “que defende fazendeiros”.

 

“O Mato Grosso do Sul é o estado mais violento em relação aos povos indígenas do Brasil. É o estado que mais discrimina índios e nega nossos direitos. Não vamos admitir que isso [coronel na Funai] aconteça. O Ministério da Justiça já está sabendo da nossa decisão de ocupar a sede. Na próxima terça-feira (15) começa a grande assembleia do povo Terena e estamos esperando 700 pessoas. Conforme for, se não nos atenderem e não houver a revogação, essas lideranças vão ocupar a CR”, afirma Lindomar Terena, membro da diretoria da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

 

A nomeação do coronel Sant´Anna foi assinada pelo secretário-executivo do Ministério da Justiça, José Levi Melo do Amaral Júnior, e publicada nesta quinta-feira (10) na edição do “Diário Oficial da União”.

O militar substituiu o indígena Evair Borges, da etnia Terena, e que ocupava o cargo de coordenador da CR de Campo Grande desde abril de 2014. Ele foi exonerado, sem comunicação prévia, pelo ministro Alexandre de Moraes (Justiça), o que causou surpresa e revolta entre as lideranças do movimento indígena nacional. Eles são contrários à nomeação de militares para coordenações regionais e à presidência da Funai.

De junho para cá, o governo Michel Temer (PMDB) já tentou emplacar dois generais do Exército na presidência da Funai. O primeiro foi o general Sebastião Francisco Peternelli. Desta vez a tentativa é com o general Franklimberg Ribeiro de Freitas. Ambos foram indicados pelo Partido Social Cristão (PSC), presidido pelo pastor Everaldo Pereira. Os dois nomes são rejeitados pelas lideranças indígenas.

A nomeação contraria o discurso do ministro Alexandre Moraes, que tem dito aos líderes do movimento indígena que elas serão ouvidos antes de qualquer nomeação para a Funai, conforme reunião realizada no último dia 19 de outubro, em Brasília.

A Amazônia Real não localizou o coronel Renato Vidal Sant´Anna para comentar o protesto dos índios contra sua nomeação. Conforme o deputado Carlos Marun, o coronel, atualmente na reserva, já atuou no Estado Maior do Comando Militar do Oeste e foi comandante do 23º  Batalhão Logístico de Selva, em Marabá, no Pará. O coronel é natural de São Paulo, mas mora no Mato Grosso do Sul há 18 anos.

A Coordenação Regional da Funai em Campo Grande tem em sua jurisdição uma população estimada em 35 mil indígenas. Segundo Lindomar Terena, a maioria é formada por índios de sua etnia, além dos povos Kadiwéu, Ofaié-Xavante, Guató e Kinikinau.

Um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgado em setembro sobre violência contra povos indígenas apontou o Mato Grosso do Sul como o líder das mortes. Em 13 anos, foram 426 assassinatos, representando 47% do total de índios mortos no país. Em 2015 foram 36 mortes de indígenas no estado.

Para Lindomar Terena a substituição de um indígena na CR Campo Grande por um militar é “inadmissível”.  “Ocupamos a CR Campo Grande porque somos contra a saída de um parente indígena do cargo e a substituição por um coronel. O tempo da ditadura militar já passou, deixando muitas sequelas aos povos indígenas do Brasil. Voltar a ter um militar na Funai é um retrocesso para as nossas conquistas”, disse Terena.

Na última sexta-feira (11) um grupo formado por indígenas de diferentes etnias fez uma manifestação em frente do prédio do Ministério da Justiça contra a nomeação do coronel e protocolou uma carga ao ministro Alexandre de Moraes onde repudiam a escolha do militar para a CR de Campo Grande.

Pressão dos ruralistas

A professora Hekere Terenoe, também da etnia Terena, é uma das lideranças que participam do protesto. Ela afirma que a indicação do coronel é resultado da pressão da bancada ruralista contra os indígenas. “Se esse coronel ficar, vai ser como no tempo da mordaça. O que se espera de um militar? Que a resposta seja apenas ‘não’? Se não tomarmos uma providência, quem vai sofrer as consequências serão nossos filhos”, disse.

Para Hekere Terenoe, a nomeação do coronel Renato Vidal Sant´Anna é também uma forma que o governo Temer encontrou para enfraquecer a resistência dos indígenas contra a presença de militares nas estruturas do órgão indigenista.

“Fica mais fácil para esse governo mexer nas bases [coordenações regionais] para assim ver a facilidade de remanejar lá em cima [presidência da Funai]. Então resolveram começar por aqui para que não haja resistência”, observou.

A professora, que é mestranda em Educação Intercultural Indígena, foi uma das primeiras lideranças a ocupar a sede da CR na quinta-feira (10). Ela conta que chegou acompanhada de estudantes e professores indígenas no final da tarde com a intenção de ficar por tempo indeterminado até que saia a revogação da nomeação do coronel.

“Soubemos que essa nomeação foi indicação do deputado Carlos Marun. Ele andou dizendo na imprensa daqui que o militarismo é bom para os índios e citou o Rondon [Marechal Rondon]. Não aceitamos isso. O parente Evair Borges atua na Funai há 16 anos, conhece as nossas necessidades”, afirmou.

Procurado pela reportagem, o deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS), que integra a bancada ruralista no Congresso, disse que “sugeriu ao governo” do presidente Michel Temer o nome do coronel Renato Vidal Sant´Anna para ser o novo coordenador da Funai em Campo Grande. Contou que foi apresentado ao coronel pelo general José Carlos De Nardi, ex-chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) do Ministério da Defesa, entre 2010 e 2015.

“Ele [coronel Sant´Anna] foi chefe maior do Comando Militar do Oeste, foi comandante do Batalhão de Selva [em Marabá, no Pará), onde teve contato com indígenas. Eu sou um ex-aluno do Colégio Militar de Porto Velho. Devo boa parte do meu entendimento da vida nos anos que passei no colégio militar. Entendo que os militares possuem uma visão patriótica do país. Possui capacitação suficiente do desempenho dessa função”, afirmou Marun.

Para o peemedebista, a Funai “não funciona e não está cumprindo sua função”. Interpelado para dar mais detalhes sobre sua afirmação, ele disse: “A Funai no Mato Grosso do Sul, historicamente, tem causado mais confusão do que solução. Você sabe o conflito que ocorre no estado, com mortes. A Funai não deve ser parte disso. A Funai tem que atender os direitos indígenas dentro da lei”, disse.

Questionado outra vez pela reportagem se a Funai não está cumprindo com suas obrigações, o parlamentar respondeu:

“Acredito que não. A partir do momento que tem invasões, como é insinuado, que tem entrada de índios paraguaios no país, que é insinuada… Quero que a Funai funcione dentro da legalidade. E isso [ocorrerá] com uma pessoa que tenha à frente esse espírito de observância à lei”, afirmou, referindo-se ao coronel Renato.

Ao ser indagado se o coordenador exonerado Evair Borges estava atuando desta forma – estimulando invasões -, ele disse que responderia “no final da CPI da Funai”, da qual ele é membro.

O deputado também foi perguntado sobre sua relação com os produtores rurais do Mato Grosso do Sul. Ele afirmou que tem “proximidade tanto com fazendeiros quanto com índios”.

“Mas eu não tenho propriedade rural. Fui secretário de Habitação do estado. Fiz o maior programa de construção de moradias em aldeias. São várias aldeias, entre 20 a 30 aldeias”, disse ele, sem citar os nomes das comunidades.

Para o parlamentar, a solução implementada pela Funai atualmente está “trazendo prejuízos para produtores e para índios”.

Carlos Marun afirmou que a reação contrária à nomeação de um militar para a fundação é “um preconceito injusto”. Ele disse que recebeu congratulações de indígenas pela troca de coordenador em Campo Grande. Quanto aos índios que estão protestando, afirmou que “isso é problema deles”. A reportagem tentou falar com um indígena Terena que, segundo o deputado, apoiou sua indicação, mas não conseguiu.

O deputado Carlos Marun costuma manifestar-se sobre questões indígenas e expressa apoio a fazendeiros do Mato Grosso do Sul, seja na tribuna da Câmara ou em entrevistas para a imprensa.

Em agosto passado ele visitou fazendeiros presos acusados de envolvimento no ataque armado contra os Guarani-Kaoiwá que ocupavam, em junho, uma fazenda no município de Caarapó (MS); a ação resultou na morte de um dos indígenas. O deputado negou que os fazendeiros seriam responsáveis pelo crime.

Marun também atribuiu ao PT a origem dos conflitos no Mato Grosso do Sul pelo fato da ex-presidente Dilma Rousseff ter assinado portaria homologando terras indígenas dos índios Guarani-Kaoiwá pouco antes de ser afastada do cargo, em maio passado.

A nomeação do coronel Renato Vidal Sant´Anna para a Funai do Mato Grosso do Sul foi elogiada pela Federação de Agricultura de Mato Grosso do Sul (Famasul), representante dos fazendeiros do estado.

A Amazônia Real procurou a Funai para saber quais as providências que serão tomadas em relação à oposição dos indígenas à nomeação do coronel Renato Vidal Sant´Anna. A assessoria respondeu que é o Ministério da Justiça que se manifestará sobre o assunto. A assessoria de imprensa de Alexandre de Moraes não respondeu até a publicação desta matéria as perguntas enviadas na quinta-feira (10) a respeito do assunto e nem atendeu as ligações feitas pela reportagem.

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