No Sudão, a guerra e o declínio do meio ambiente andam de mãos dadas | Land Portal

No mês passado, o estado do Nilo Azul no Sudão declarou estado de emergência após uma onda de conflitos entre tribos que supostamente deixaram mais de 200 pessoas mortas.

Este foi o mais recente de uma série de conflitos que vem durando décadas no estado, localizado na fronteira entre a Etiópia e o Sudão do Sul.

As pesquisas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) mostram que pelo menos 40% de todos os conflitos internos nos últimos 60 anos podem estar ligados à exploração de recursos naturais - desde recursos valiosos, como madeira, diamantes, ouro e petróleo até recursos escassos, como terra fértil e água.

Com a chegada do Dia Internacional para Prevenção a Exploração do Meio Ambiente em Tempos de Guerra e Conflito Armado, no dia 6 de novembro, nos reunimos com Abuelgasim Adam do escritório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no Sudão para saber mais sobre a situação da região, como o conflito pode impactar o meio ambiente e o papel fundamental das mulheres na construção da paz.

P: Mais de 70.000 pessoas foram deslocadas no último conflito, predominantemente entre as tribos Hausa e Funj na região do Nilo Azul no Sudão. O que está causando o conflito, e por que ele está se agravando agora?

Abuelgasim Adam (AA): O conflito inter-tribal recente no Nilo Azul é o primeiro de seu tipo. Ele começou na localidade de Wad Al Mahi em meados de julho de 2022. Conflitos, porém, não são novidade para a região, dividida durante mais de 15 anos entre o governo e os grupos de oposição. O conflito entre as facções é principalmente sobre o controle territorial, mas os recursos naturais têm um papel importante na definição da dinâmica do conflito.

Já há tempos que as terras férteis da região do Nilo Azul, suas diversas florestas e minerais vitais têm sido procurados para apoiar a subsistência agrícola e pecuária além das diversas necessidades energéticas da região, que têm sido exploradas para ganhos econômicos. Em alguns casos, recursos extrativos, como a goma-arábica e o ouro, contribuem diretamente para o financiamento das operações de diferentes grupos armados. Tal conflito é preocupante, pois constitui uma crise política com graves consequências sobre tensões de longa data focalizadas no acesso e controle dos recursos naturais, incluindo a terra, a água e os locais de extração de recursos.

Como a crise climática está afetando a dinâmica dos conflitos no Nilo Azul?

AA: A situação é exacerbada pelos impactos crescentes da mudança climática. Em todo o Sudão, as chuvas se tornaram mais irregulares, os períodos de seca mais longos e as inundações mais frequentes, enquanto isso o crescimento da população e da pecuária aumentou a demanda por terras férteis, fontes de água confiáveis e meios de subsistência sustentáveis. Existe o risco de que a escalada do conflito possa dificultar a adaptação às mudanças climáticas, limitando a mobilidade e o acesso a recursos econômicos ou ambientais, particularmente entre as comunidades que já são vulneráveis.

Qual efeito o conflito teve nos residentes?

AA: : Em primeiro lugar, os recentes conflitos causaram uma terrível crise humanitária e ameaçaram a paz e a estabilidade relativa que o Nilo Azul tem experimentado desde a assinatura do Acordo de Paz de Juba. De uma perspectiva ambiental, há um risco real de que os impactos do conflito prejudiquem ainda mais a resistência das comunidades às mudanças climáticas, limitem o acesso ao financiamento que permitiria meios de subsistência resistentes ao clima e enfraquecessem as estruturas de governança dos recursos naturais.

A violência leva a população a recorrer aos grupos armados como último recurso já que o país está há meses sem um governo inteiramente funcional e liderado por civis, um governo que possa restabelecer a autoridade do Estado em todo o país. Também aumenta a competição por recursos escassos, alimentando ainda mais a migração e o deslocamento.

Junto com o PNUD, a ONU Mulheres e o Fundo de Construção da Paz das Nações Unidas, o PNUMA está realizando um projeto para melhorar a governança dos recursos naturais e criar oportunidades climáticas eficientes para os residentes. Como isso pode promover a paz?

AA: Ao contrário dos projetos anteriores relacionados à construção da paz, a abordagem participativa ambiental comunitária é fundamental para o sucesso deste projeto, por meio dela as comunidades assumem a responsabilidade e se capacitam para administrar seu meio ambiente local e seus recursos naturais. É um processo participativo, proporcionando fórum para todas as partes interessadas - incluindo mulheres e jovens. Ele permite que os indivíduos sejam informados, tenham um panorama geral e cheguem a um consenso sobre as principais questões ambientais, concordando com soluções que dizem respeito à comunidade. O envolvimento da comunidade é forte e permite que grupos marginalizados desempenhem um papel de liderança na construção de soluções ambientais que contribuam para a paz.

O projeto se concentra no empoderamento das mulheres como agentes de mudança. Por que enfocar especificamente as mulheres?

AA: As mulheres desempenham um papel essencial no apoio às famílias por meio da sua participação nos meios de subsistência naturais, incluindo a produção agrícola, colheita de produtos florestais, mineração artesanal e coleta de água e combustível. Em tempos de conflito, os papéis das mulheres relacionados aos recursos naturais podem as expor a riscos elevados de violência, incluindo violência sexual e de gênero, quando viajam para longe de suas casas para ter acesso aos recursos naturais. Em alguns casos, vemos mulheres viajando para lugares considerados perigosos demais para os membros masculinos do lar ou trabalhando sob condições de risco em locais de mineração.

Qual é o papel da mulher no avanço do estabelecimento da paz na região?

AA: A exclusão econômica e política das mulheres limita sua voz, acesso e controle sobre os recursos, incluindo os naturais. Experiências de outras partes do Sudão mostraram que quando as mulheres estão envolvidas em mecanismos de governança de recursos naturais, planos e políticas abordam com mais precisão a amplitude dos desafios de construção da paz e ambientais que as comunidades enfrentam. Capacitar as mulheres como líderes na gestão de recursos naturais também pode criar uma plataforma de lançamento para o empoderamento das mulheres em outros mecanismos de governança ou de construção da paz.

A exploração excessiva dos recursos naturais tem sido um problema no estado há muito tempo. A extração insustentável de madeira, a expansão da mineração artesanal e os incêndios de desmatamento são comuns. Como você pode incentivar as comunidades que dependem desses recursos a serem mais sustentáveis?

AA: É um ciclo vicioso, a situação anárquica que deriva do conflito leva a um controle desigual, a exploração e o uso excessivo dos recursos naturais, o que por sua vez alimenta o próprio conflito. Focalizamos em lembrar às comunidades a importância do uso sustentável dos recursos. A boa governança, a conscientização da comunidade e a oferta de opções alternativas são essenciais. O projeto também apoia a introdução de fogões eficientes em termos de combustível, o uso de tecnologias de construção alternativas e a promoção da energia solar e da agricultura inteligente em relação ao clima, que ajudam a proteger a natureza e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida.

Este projeto está colocando facções opostas cara a cara para as negociações, muitas vezes pela primeira vez em anos. Por que isso é importante?

AA: Reunir as facções opostas para discutir questões de recursos naturais compartilhados é fundamental para abordar as diferenças. Quando estas facções se enfrentam e compartilham seus pontos de vista, os mediadores fazem a ponte e facilitam a interação direta. Desta forma, eles começam a ouvir uns aos outros, e através do tempo, um relacionamento é construído, levando a visões compartilhadas para o benefício da área.

Espera-se que a crise climática leve a temperaturas mais altas e condições mais instáveis no Estado do Nilo Azul. Pode haver paz neste ambiente?

Sim, porque todos os conflitos na região do Nilo Azul, incluindo o recente, são inicialmente políticos, mas podem ser exacerbados pela mudança climática. Portanto, as oportunidades de paz dependem principalmente da abordagem de questões de desenvolvimento político e, ao mesmo tempo, da construção de resistência da comunidade às mudanças climáticas por meio da adaptação.

O PNUMA está trabalhando em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a ONU Mulheres no projeto "Apoiando a Paz Sustentável na Região do Nilo Azul por meio da Governabilidade dos Recursos Naturais que Responde às Questões de Gênero, Mecanismos Inclusivos de Resolução de Conflitos e Meios de Vida Resistentes ao Clima". O projeto é financiado pelo Fundo das Nações Unidas para a Construção da Paz (PBF).

O PNUMA está à frente em apoio aos objetivos do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C e visando - por segurança - uma temperatura de 1,5°C, em comparação com os níveis pré-industriais. Para isso, o PNUMA desenvolveu um roteiro de soluções em seis setores para reduzir as emissões em todos os setores, de acordo com os compromissos do Acordo de Paris e em busca da estabilidade climática. Os seis setores são Energia; Indústria; Agricultura e Alimentos; Florestas e Uso da Terra; Transporte, e Edifícios e Cidades. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP27) em novembro de 2022 se concentrará na adaptação, finanças e uma transição justa - e você pode fazer sua parte agindo agora sobre seu próprio consumo ou se posicionando sobre suas preocupações.

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