Infraestrutura para comunidades | Land Portal

Foto: Carsten ten Brink/Flickr

Políticas de infraestrutura não podem mais desconsiderar seus impactos socioambientais e as demandas de povos indígenas e comunidades tradicionais, defende em artigo o sócio fundador do ISA Márcio Santilli

O presidente Lula reuniu-se, na semana passada, com os ministros da área econômica e de infraestrutura para discutir a retomada do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que abrange o conjunto das obras de infraestrutura pretendidas pelo governo federal e acordadas com governadores e prefeitos. Esse programa foi constituído em seu governo anterior e coordenado por Dilma Rousseff, que o liderou como ministra e o continuou como presidente.

O PAC foi importante para articular interesses federativos, melhorar as condições de transporte, prover água e energia e catalisar investimentos públicos e privados para fomentar a economia. Porém, não faltaram polêmicas sobre desvio de recursos e impactos socioambientais relevantes. A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, é um dos exemplos.

Não há dúvida de que o Brasil precisa de um programa de investimentos em obras públicas. Esse é o setor que pode reagir mais rápido ao marasmo econômico, gerando empregos e renda para os desempregados e os submetidos a condições aviltantes de trabalho. Além disso, se os investimentos focarem em projetos estruturantes, poderão superar gargalos logísticos, reduzindo custos.

Lula pediu aos ministros para inventarem um novo nome para o novo PAC. Aquele, já havia substituído o Avança Brasil e, décadas depois, o Brasil está pior do que antes. “Amansa Brasil” pode ser uma boa ideia…

Erros do passado

Além do nome, um novo fluxo de investimentos em infraestrutura deve considerar os efeitos de cada grande obra nas dinâmicas regionais de ocupação do território. Não se trata apenas de produzirmos bons Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (Eia-Rima) ou de componentes dos projetos atinentes ao licenciamento ambiental, especialmente quando se trata de áreas remotas, sujeitas a grandes transformações a partir da implantação dos empreendimentos.

Foi o caso da pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), a partir do primeiro governo Lula. Marina Silva, que também era, então, a sua ministra do Meio Ambiente, apoiou um processo intenso de discussão entre organizações da sociedade civil para formular e executar o Plano BR-163 Sustentável, que foi, no entanto, insuficiente para evitar que a economia predatória ‒ grilagem de terras públicas, garimpo, extração ilegal de madeira e de outros recursos florestais ‒ viesse a dominar a política e a ocupação da região.

É importante mencionar esse caso porque o projeto para a implantação da Ferrogrão, ferrovia sobreposta à BR-163, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), certamente estará entre os itens do novo pacote de infraestrutura. E porque esta seria a oportunidade para corrigir erros e articular iniciativas que alterem a dinâmica regional na direção do desenvolvimento sustentável.

Outro projeto que está na mesa é o da pavimentação da BR-319, entre Porto Velho e Manaus. Em comum com a BR-163, ela corta a Amazônia de sul para norte, mas atravessa o coração da floresta. Se ao longo do eixo da BR-319 repetir-se o mesmo padrão predatório de ocupação do território, a floresta será fracionada para sempre, com consequências socioambientais de grande escala. Estamos falando de projetos determinantes para o futuro da Amazônia, num contexto de emergência climática.

Economia da floresta

Seria uma boa novidade incluir no novo pacote um componente voltado para pequenas obras de infraestrutura que facilitem as atividades econômicas sustentáveis que já são desenvolvidas pelos povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas e quilombolas. Ancoradouros, depósitos de mercadorias, trilhas de escoamento e de turismo comunitário, escolas, postos de saúde, núcleos de cultura. Mão de obra, alimentação e materiais poderiam ser providos no local.

Como se trata de muitas pequenas obras numa mesma região, elas deveriam ser contratadas em bloco e projetadas a partir de consultas e de levantamentos, por trechos de rios ou sub-bacias, vicinais ou trechos de rodovias, levando-se em conta os municípios e as associações civis existentes. Pode-se recorrer a mutirões e frentes de trabalho, balsas ou batalhões de serviços.

A economia da floresta também precisa de energia e, na sua maior parte, desenvolve-se em regiões que estão fora do sistema elétrico nacional. Além de poluente, o óleo diesel chega de forma trabalhosa e custosa. A geração de energias limpas e a disponibilidade de motores e outros equipamentos movidos por elas daria grande impulso à produção florestal, à renda, à saúde e à qualidade de vida das comunidades.

A maior disponibilidade de pontos de internet, via satélite, é essencial para agilizar negócios, compras, pagamentos e para prover, à distância, educação, formação técnica e assistência à saúde. Também facilita a gestão de sistemas de cantinas para garantir a todos o acesso, menos custoso, a bens de consumo básico.

Se o país pode investir na abertura de corredores de exportação através da Amazônia, na geração de energia e de outros insumos demandados por outras regiões, deve investir para evitar e mitigar os seus impactos e não deve ignorar eventuais efeitos perversos da ocupação do território e a qualidade e sustentabilidade do desenvolvimento regional.

Deve investir, sobretudo, na infraestrutura necessária para que os povos da floresta possam prover as suas necessidades e participar do desenvolvimento, conservando as florestas em pé. Em tempos de emergência climática, essas populações, os seus serviços e produtos são preciosos, não apenas para os seus projetos de futuro, mas para proverem saberes e serviços ambientais para o desenvolvimento das demais regiões do país.

Artigo publicado originalmente no site do Mídia Ninja, em 16/3/2023

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