DW África: E no Brasil, com o desenvolvimento da agricultura na região do Cerrado, o Japão também teve influência?
SFC: Sim, nos anos 70, o Japão enfrentou uma crise. Não podíamos importar mais soja suficiente. Atualmente, cerca de 90% da nossa soja é importada. Nos anos 70, essa percentagem era menor, mas ainda dependíamos da importação estrangeira. Então, enfrentamos uma crise muito difícil. Assim, o Governo japonês assinou um acordo com o Governo brasileiro – na altura uma ditadura militar – para transformar o Cerrado brasileiro num local de produção de soja para o Japão. Esse programa chamava-se Prodecer e foi levado para a região na década de 1980. Na altura, o Cerrado ainda era uma área famosa pela sua floresta densa. Até o nome indica isto: pois cerrado significa "fechado", portanto de difícil acesso por causa de muitas árvores.
Há muitos emigrantes japoneses no Brasil. Quando o Japão enviava emigrantes japoneses para a Manchúria em 1930, enviava também outro grupo de emigrantes para o Brasil. E depois da Segunda Guerra Mundial, o governo japonês continuou enviando emigrantes para o Brasil. Mas eles não tinham terra e então olharam para o Cerrado. Naquela época, o Cerrado não era uma zona agrícola: era coberto pela densa floresta e também pensou-se que não era bom para a agricultura por causa da acidez do solo. Mas usando fertilizantes químicos eles perceberam que poderiam transformar o solo em terra produtiva.
Então, para o Governo japonês foi uma ótima ideia levar o modelo que já tinha sido experimentado no nordeste da China para o Cerrado brasileiro. Mas depois tornou-se um problema político. Porque o Governo brasileiro teve que enfrentar as críticas do povo que teve um sentimento contra o Japão e o imperialismo japonês. Acharam que seria uma nova colonização pelos japoneses no meio do nada no Brasil. O Prodecer não era originalmente para os japoneses, mas eles tinham que mudar o tom e, em seguida, o que fizeram foi convidar os migrantes brasileiros que estavam no sul do Brasil e também sair à procura de terra.
Mas então eles precisavam de um porto para que a soja pudesse ser exportada. O Japão não conseguiu desenvolver as ligações ferroviárias como na Manchúria, porque a Manchúria estava sob a influência do Japão e mais tarde até chegou a ser uma ocupação japonesa. Por isso, foi fácil trazer esse modelo de desenvolvimento regional para Manchúria. Mas no caso do Brasil, eles não conseguiram aplicar o mesmo modelo depois da Segunda Guerra Mundial e depois do fim do colonialismo. Foi um trabalho difícil e, no final, o Japão não chegou a importar a soja produzida no Cerrado. Quem recebeu os grãos de soja foi a empresa americana Cargill e a China. Como lição, o Japão achou que era importante assumir o controlo também da logística e não apenas do lado da produção.

Mapa do Corredor de Nacala e da exportação de carvão em Moçambique
DW África: O que está a acontecer agora com o Japão? O país e a JICA (Japan International Cooperation Agency), a agência japonesa de cooperação, ainda estão interessados em realizar o ProSavana? O lado japonês até tem mais importância, já que os brasileiros se retiraram em grande parte deste projeto dos três países.
SFC: Eles [JICA] oficialmente não dizem nada ou dizem que o processo é importante. Mas informalmente todos dizem que foi uma ideia terrível pensar que seria possível levar o sucesso do Brasil e do Cerrado brasileiro para África, nomeadamente Moçambique. Mas todos também dizem, que não podemos parar. Não só para evitar perder a cara, mas ainda temos o mesmo Governo no Japão dos últimos seis anos. Esta é a outra razão pela qual o Governo japonês não está a parar com o programa. Mas se nos concentrarmos muito no ProSavana, não podemos impedir que algo mais terrível aconteça na região norte de Moçambique.
Como disse, esse tipo de modelo causará muitos danos ambientais e sociais. E infelizmente já está a acontecer em várias zonas na província da Zambézia. Lá, muitas pessoas foram expulsas por causa de uma empresa privada, propriedade de um ex-Presidente moçambicano que trabalha com uma empresa brasileira de soja para abrir campos de soja para exportação.

Monocultura de soja no Cerrado (Campo Verde, Mato Grosso)
DW África: Por que isso é possível?
SFC: Porque o nosso fundo público e a empresa privada japonesa Mitsui ampliaram e renovaram a ferrovia e o porto. Sem isso [ferrovia e porto], seria impossível para qualquer empresa privada abrir tantas terras e afastar as pessoas. Pois, é impossível obter lucro, se eles tivessem que transportar a soja produzida por caminhão que tem um custo muito superior à ferrovia. Então, a ferrovia facilita a transformação. E essa é uma transformação que levamos para o Brasil e, há uma centena de anos, para uma parte no nordeste da China. Estamos a repetir a nossa história e, como cidadã do Japão, gostaria que essa história chegasse ao fim.